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Pré-miopia: Podemos intervir a tempo?

O que deve saber sobre a fase preliminar da miopia
8 agosto 2025 · 8 MIN LEITURA
Author Dr Christina Boeck-Maier

Scientific and Medical Affairs | ZEISS Vision Care

Devido à crescente prevalência da miopia e ao impacto que esta tem na sociedade e nos indivíduos, a prevenção e a intervenção precoce desempenham um papel importante. Quando as crianças são diagnosticadas com miopia, o controlo através da gestão da miopia é essencial, mas a abordagem ideal seria intervir mesmo antes do início da miopia. Para tal, é necessário reconhecer um olho pré-míope como tal. Neste artigo, irá aprender como se define a pré-miopia, como pode ser identificada e o que significa para os profissionais de cuidados da visão na sua prática quotidiana.

Definição e anamnese da criança pré-míope

Estudos de longo prazo demonstram que as crianças que desenvolveram miopia apresentaram um maior crescimento do comprimento ocular nos anos que antecederam o início da miopia.1 No entanto, os valores de refração, por si só, não são suficientes para descrever a condição de pré-miopia. Esta está associada a uma variedade de fatores de risco que, na prática, indicam uma futura miopia progressiva. O International Myopia Institute define a pré-miopia da seguinte forma: “Um estado refrativo de um olho de ⩽+0,75D e >−0,50D em crianças em que uma combinação da refração basal, idade e outros fatores de risco quantificáveis fornecem uma probabilidade suficiente de desenvolvimento futuro de miopia que justifique uma intervenção preventiva.”2

Tendo em conta esta definição, a intervenção na pré-miopia implicará tratar olhos que ainda não são míopes, o que significa que a estratégia de tratamento deve ser cuidadosamente considerada.

Os seguintes fatores de risco são relevantes na determinação da pré-miopia:

  • Valores de refração dependentes da idade: As orientações sugerem que olhos com valores de refração cicloplégica de < +0,75D em crianças de seis anos, ≤ +0,50D em crianças entre sete e oito anos e ≤ +0,00D a partir dos dez anos têm maior probabilidade de se tornarem míopes.
  • Progressão documentada: Se exames oculares regulares desde tenra idade indicarem uma progressão rápida, este é um fator de risco claro e documentado.3
  • Miopia parental: Um progenitor míope duplica o risco de a criança também desenvolver miopia. Esse risco aumenta significativamente se ambos os pais forem míopes (mais de cinco vezes superior).4
  • Etnia asiática: Os dados mostram que 18% das crianças entre quatro e seis anos que vivem na Ásia já são míopes. A estatística ultrapassa os 30% nas crianças de dez anos.5 Combinado com a etnia asiática, os valores de refração limítes devem, portanto, ser interpretados como um elevado risco de desenvolvimento de miopia.
  • Trabalho prolongado e recorrente em visão de perto: Crianças que passam muitas horas a ler, escrever ou a utilizar dispositivos digitais como tablets e telemóveis têm maior risco de desenvolver miopia.

Assim, a monitorização precoce e regular da saúde ocular da criança é crucial, também porque a progressão é particularmente acentuada no ano que antecede o aparecimento da miopia.6 Se for detetada suficientemente cedo, este aumento abrupto pode ser atenuado.

As causas da miopia e os mecanismos subjacentes ainda não são totalmente compreendidos. Espera-se que esta situação melhore à medida que aumenta o número de estudos e que os resultados das investigações se tornem mais conclusivos. Os especialistas da ZEISS investigam ativamente muitos aspetos do desenvolvimento e da progressão da miopia e mantêm um contacto próximo com a comunidade científica, incluindo através do ZEISS Myopia Advisory Board, para que novos resultados sejam sempre incorporados na estratégia e nas recomendações, sendo as atualizações feitas de forma contínua.

Diagnóstico e tratamento de crianças pré-míopes

Na prática, as crianças pré-míopes podem ser identificadas através da avaliação do histórico familiar, da realização de uma anamnese sobre o comportamento escolar e de lazer e da análise dos fatores de risco acima descritos. Após a medição dos olhos e a avaliação dos resultados, a criança é então classificada como não-míope, pré-míope ou míope.

A decisão a favor ou contra intervenções específicas é bastante complexa devido aos diferentes fatores de risco e deve ser tomada individualmente para cada criança. Em geral, uma vez identificado um olho pré-míope, recomenda-se uma monitorização mais próxima por parte de um especialista da visão – preferencialmente a cada seis meses. As intervenções que normalmente são utilizadas na gestão da miopia também podem contribuir para abrandar a progressão.

A abordagem mais sensata, especialmente em casos limítes, é recomendar os seguintes comportamentos:

 

  • Tempo diário ao ar livre: As crianças devem passar no mínimo duas horas no exterior. As que passam bastante tempo ao ar livre podem reduzir o risco de desenvolver miopia.7
  • Bons hábitos de trabalho em visão de perto: Reduzir ao mínimo o trabalho em visão próxima, incluir pausas regulares e olhar regularmente para o longe.

Em casos individuais, também pode fazer sentido que uma criança pré-míope receba intervenções como lentes oftálmicas especiais. A ZEISS está a apoiar um ensaio clínico aleatório de iniciativa do investigador, que avalia a eficácia e segurança das lentes oftálmicas com elementos refrativos cilíndricos anulares (CARE) na prevenção do aparecimento da miopia em crianças emétropes e com baixa hipermetropia, com idades entre os 6 e os 9 anos, cujos resultados são esperados para a segunda metade de 2025.

Outras implicações para a prática dos profissionais de cuidados da visão

Acima de tudo, a comunidade científica e os profissionais devem ter em conta o conjunto de evidências e trabalhar na aceitação destas medidas, apoiando as famílias na implementação de comportamentos mitigadores. Isto porque as crianças que têm boa visão e que ainda não foram afetadas por défices visuais, ou cujos pais não compreendem a necessidade, tenderão a ser relutantes em adotar conscienciosamente os passos necessários. Por esta razão, é particularmente importante informar os pais de que não se trata apenas de prevenir défices visuais, mas também de mitigar potenciais consequências negativas para a saúde a longo prazo.

É igualmente importante salientar que a utilização da cicloplegia é padrão na refração dos olhos das crianças. Isto significa que, dependendo dos aspetos regulamentares e organizacionais específicos de cada país, a refração pode não ser realizada por óticos ou optometristas. Nestes casos, recomenda-se uma estreita cooperação com oftalmologistas.

Então, podemos intervir a tempo? A resposta é sim. Os olhos pré-míopes podem ser reconhecidos como tal. Mesmo numa fase precoce, podem ser implementadas intervenções bem-sucedidas e documentadas para abrandar a progressão. Além disso, os pais devem ser regularmente sensibilizados para os aspetos mais importantes do desenvolvimento saudável da visão, tanto dentro como fora do contexto de uma prática de cuidados visuais. As famílias devem ser informadas sobre os riscos do trabalho prolongado em visão de perto e sobre a importância de passar tempo ao ar livre, contribuindo assim para a prevenção da miopia.


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  • 8

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